A conquista de um povo
A grilagem das terras dos Kalunga começou em 1942 e se aprofundou na década de 1960, após a mudança da capital para Brasília, que fica a cerca de 300 km do território Kalunga.
Em 1983, o governador goiano Iris Rezende Machado, após sua posse, nomeou o advogado e professor de Direito Agrário Aldo Azevedo Soares para presidir o Instituto de Desenvolvimento Agrário – IDAGO. Azevedo Soares, no ano de 1984, propôs ao governador o envio à Assembleia Legislativa do Projeto de Lei instituindo a Discriminatória Administrativa, que foi aprovada, sancionada e transformada na Lei Nº 9.541, de 27 de setembro de 1984, dispondo sobre a discriminação ou arrecadação das terras devolutas do Estado de Goiás, incorporando-as ao patrimônio do IDAGO.
Neste período houve algumas coincidências: a ida da antropóloga Mari de Nasaré Baiocchi, acompanhada do fotógrafo Luiz Elias, que era também assessor da primeira-dama de Goiás Maria Valadão, à festa do Sucuri em Monte Alegre, em 1983. Foi o primeiro contato deles com os Kalunga e, logo após, começaram as tensões sobre a posse da terra, o que levou o ainda jovem quilombola Manoel Edeltrudes Moreira (Tico) a se dirigir a Goiânia para um encontro com Luiz Elias e Mari Baiocchi. Juntos eles procuraram o Instituto de Desenvolvimento Agrário e fizeram o relato dos primeiros problemas fundiários ocorridos com os Kalunga do município de Monte Alegre de Goiás para o presidente do IDAGO.
No dia 11 de janeiro de 1985, no Comunicado Interno nº 02, o Presidente do IDAGO, Aldo Azevedo, propõe “a constituição da Comissão Especial objetivando promover a Discriminatória Administrativa da área denominada Serra da Contenda, com superfície aproximada de 78.200 hectares, situada no Município de Monte Alegre de Goiás”.
Foram arrecadadas duas glebas de terras: a Contenda I, com 22.000 hectares, e a Contenda II, com 2.041,2596 hectares. A gleba Contenda I foi titulada para as famílias Kalunga de Monte Alegre e a Gleba Contenda II, localizada fora do perímetro do Sítio Histórico e Patrimônio Cultural Kalunga, foi titulada para posseiros que nela moravam. Para tanto foi promulgada a Lei Nº 9.717, de 22 de maio de 1985, que autoriza o Poder Executivo a doar imóvel rural com área de até 100 hectares para lavradores sem terra e que somente poderá ser transferido por direito hereditário. Esta lei foi feita para permitir que o IDAGO pudesse titular as terras para os Kalunga de Monte Alegre, o que acabou beneficiando posseiros em todo o Estado.
Esta mudança tem um valor histórico imensurável, pois ocorreu no momento em que o regime militar enfraquecia e começava o processo de democratização do País. Algumas lideranças Kalunga foram importantes na luta pela regularização das terras para os Kalunga de Monte Alegre de Goiás. Podemos citar Manoel Edeltrudes Moreira, Procópia dos Santos Rosa, Santina Pereira Edeltrudes, Esterina Fernandes de Castro, Santino dos Anjos Rosa, Sirilo dos Santos Rosa, Jorge Moreira de Oliveira e Deuselina Francisco Maia de Souza, dentre tantos outros que caminharam na busca da terra para os Kalunga. Somaram forças apoiando esta luta a antropóloga Mari Baiocci e o Movimento Negro. Juntos, conseguiram escrever na Constituição do Estado de Goiás e nas Leis Ordinária e Complementar a criação do Sítio Histórico e Patrimônio Cultural Kalunga.
Estes fatos aconteceram num momento anterior à promulgação da Constituição Federal em 5 de outubro de 1988, estabelecendo no Artigo 68 do ADCT que: “aos remanescentes das comunidades do quilombo que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”.
A Constituição do Estado de Goiás, promulgada no dia 5 de outubro de 1989, também estabeleceu o mesmo no Art. 16 do ADCT, e definiu os limites do território Kalunga em seu parágrafo primeiro. A Lei nº 11.409, de 21 de janeiro de 1991, dispôs sobre o Sítio Histórico e Patrimônio Cultural Kalunga. Esta lei foi, posteriormente, transformada em Lei Complementar Nº19, de 05 de janeiro de 1996, definindo o perímetro do Sítio Histórico e Patrimônio Cultural Kalunga, que foi alterado pelo decreto do Presidente da República de 20 de novembro de 2009, declarando de interesse social para fins de desapropriação os imóveis do Território Kalunga.
O SHPCK conta com aproximadamente 39 regiões, nas quais residem as famílias. É considerado um dos maiores território de áreas remanescentes de quilombo no Brasil, em área e população, com 261.999,6987 hectares. Apesar dos avanços alcançados, o SHPCK não teve até hoje a totalidade de suas terras regularizadas.
A luta pela regularização fundiária do território Kalunga continua ainda hoje. Somando todas as áreas que já se encontram em nome da Associação Quilombo Kalunga dá um total de 137.831,2284 ha o que corresponde a 52,60% da área total do SHPCK, aproximadamente.
O Estado tem 3 áreas que faltam ser repassada para a AQK que somam 7.842,8141 hectares correspondendo 2,99% da área total do SHPCK, portanto faltam 116.375,6462 hectares aproximadamente para INCRA desapropriar, pois são de domínio particular, o que corresponde a 44,41%da área total do território.